Despesas sem documento? Paga imposto.

Nas empresas e nas IPSS as despesas sem documento formal podem pagar até 70% de imposto. 

É comum que, em pequenas organizações, uma única pessoa assuma diferentes funções: gerente, diretor de operações, diretor comercial e financeiro , diretor de marketing e em alguns casos tenha ainda um papel na produção e nas operações adjacentes.  Esta realidade é proprícia à existência de algumas falhas: um email que fica sem resposta, uma carta que não é aberta, ou um documento que se extravia e que, consequentemente, não é registado na contabilidade no ano a que diz respeito. 

Este é um desleixo que pode sair caro à empresa, sendo necessário especial cuidado com os documentos. Para a existência de uma despesa sem documento, estabelece a norma fiscal que tem de ser pago imposto. 

Os documentos entregues na contabilidade no ano seguinte ao fecho das contas valem o mesmo que um documento inexistente, o que significa que haverá pagamento de imposto. 

O que são despesas não documentadas?

São despesas para as quais a contabilidade não tem qualquer informação documental sobre a sua natureza, finalidade e origem dos gastos. Estas despesas não são dedutíveis para efeitos fiscais e pagam tributação autónoma de 50% para as empresas e de 70& nas IPSS. 

Alguns exemplos: 

  • Pagamento a uma entidade um serviço de consultadoria, mas não detêm qualquer fatura ou documento justificativo; 
  • Foi vítima de burla e transferiu dinheiro para um entidade desconhecida. 

Como avaliar se uma despesa é não documentada?

A avaliação se uma despesa é ou não documentada cabe ao Contabilista Certificado e à Autoridade Tributária. 

Exemplo prático: 

Um pagamento a uma entidade que conhece, para a realização de um serviço que foi devidamente prestado e para a qual houve emissão de um documento válido, pode parecer conforme. Porém, se apenas foi entregue à Contabilidade a transferência bancária sem qualquer identificação, essa despesa será considerada “não documentada”. 

O que são despesas indevidamente documentadas?

Estas são as despesas para as quais existe um documento emitido por uma entidade externa, mas que não reúne todas as condições legalmente exigidas.
Este tipo de despesa não são dedutíveis para efeitos fiscais, o que impede a dedução do IVA e o pagamento de um valor adicional de IRC / IRS. Alguns exemplos: 

  • Pagamento de uma despesa que não tem identificação da sua empresa e/ou NIF;
  • Realização de uma transferência bancária para um fornecedor, que prestou um serviço, mas que nunca chegou a enviar-lhe a fatura, embora ela possa estar comunicada no e-fatura.

Numa fiscalização podem ser consideradas nesta categoria faturas que não cumpram a 100% os formalismos da lei, obrigando a empresa/IPSS a recorrer a tribunal para não ser penalizado em IVA, IRC e juros.

Apresentamos um exemplo que obrigou uma empresa a recorrer ao CAAD, para ser reconhecido à dedução de faturas.

Contexto

  • A empresa X1 Lda., atua na produção, comércio, importação e exportação de batatas e outros produtos agrícolas e alimentares.
  • A Autoridade Tributária corrigiu o lucro tributável da Requerente em € 43.690,88, considerando que os gastos referentes a aquisições de batatas de um fornecedor francês, “B…”, não estavam devidamente documentados.
  • Os motivos apontados pela AT para a desconsideração dos gastos foram: as faturas eram manuscritas e o fornecedor francês não declarou as operações no sistema VIES (Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA). Além disso, a AT levantou dúvidas sobre o verdadeiro fornecedor devido a divergências entre o expedidor e o carimbo nas CMRs (Carta de Porte Internacional por Estrada).

Argumentos da empresa X1, Lda.

  • As operações foram efetivamente realizadas e estão devidamente documentadas.
  • A legislação francesa permitia faturas manuscritas, desde que existissem controlos internos para auditoria.
  • O facto de o fornecedor não ter comunicado as operações no VIES não impede a comprovação das mesmas, tendo a Requerente anexado documentos detalhados.
  • As faturas continham todos os elementos exigidos pelo artigo 23.º, n.º 4, do CIRC.
  • A posição da AT neste caso diverge de uma informação vinculativa anterior, que admitia a validade de documentos de outros países desde que cumprissem a legislação do país emitente e os elementos essenciais do artigo 23.º, n.º 4 do CIRC.
  • A liquidação de juros compensatórios é ilegal, uma vez que o imposto não é devido.
  • A XPTO tem direito ao reembolso do imposto pago indevidamente e a juros indemnizatórios, devido ao erro da AT.

Argumentos da AT:

  • As faturas eram manuscritas e não foram comunicadas no VIES.
  • O CIVA é de aplicação obrigatória em todos os Estados-Membros da UE, e as faturas devem ser emitidas de acordo com o artigo 36.º do CIVA.
  • As divergências nas CMRs (campo 1 – expedidor e campo 22 – assinatura/carimbo do expedidor) levantam dúvidas sobre a identidade do fornecedor francês.
  • Os gastos não são dedutíveis por não estarem devidamente documentados.
  • Os juros compensatórios são devidos e não houve erro imputável aos serviços para justificar juros indemnizatórios.

Fundamentação da Decisão do Tribunal Arbitral:

  • O Tribunal considera provado que as faturas em questão contêm a denominação social e número de IVA do fornecedor (“B…”) e do adquirente XPTO, quantidade e preço dos bens adquiridos, e datas de aquisição.
  • As transferências bancárias para pagamento das faturas foram realizadas para uma conta titulada em nome da “B…”.
  • A efetividade dos gastos não foi questionada, apenas a sua documentação.
  • O Tribunal Arbitral fundamenta que a falta de um elemento nas faturas pode ser suprida por outros meios de prova, posição sustentada pela jurisprudência.
  • É possível a dedução para efeitos de IVA, mesmo com irregularidades formais, se as exigências substantivas da operação forem demonstradas, e, por maioria de razão, esta posição é aplicável ao IRC, reforçada pelo princípio da tributação pelo rendimento real.
  • A documentação apresentada pela XPTO (faturas, comprovativos de transferência bancária para o IBAN da “B…”) é suficiente para identificar o fornecedor e a natureza dos bens, permitindo o controlo das operações.
  • A própria AT, em informação vinculativa, reconheceu que documentos de outros países devem obedecer à legislação do país emitente.
  • O Tribunal conclui que não se trata de gastos “não devidamente documentados”, sendo as liquidações de IRC e juros compensatórios ilegais.
  • Reconhece o direito da Requerente ao reembolso do imposto indevidamente pago e aos juros indemnizatórios, devido ao erro imputável aos serviços da AT.

O Tribunal Arbitral decidiu:

  • Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC referente à desconsideração dos € 43.690,88.
  • Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios.
  • Julgar procedente o pedido de restituição do imposto.
  • Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida (AT) no pagamento de juros indemnizatórios.
  • Condenar a Requerida no pagamento integral das custas arbitrais, no valor de € 918.